E na dança arbórea
Do corpo maduro
E gasto,
Vieram-se a saber
Os dedos que rebolaram,
Vento seco,
No verde pasto...
E na dança arbórea
Do corpo maduro
E gasto,
Vieram-se a saber
Os dedos que rebolaram,
Vento seco,
No verde pasto...
Há não muito tempo mas assaz distante:
Num invernal dia chuvoso e trovejante,
Tanta dor havia que dentro dela estava contida…
Tanta dor que não podia ser escondida.
Mas a pobre nem por socorro gritou –
E, silente assassina, a si própria matou.
Ciente da impossibilidade da redenção, tanto da Vida como do Amor,
A ambos arrastou para a cova, no seu último estertor.
Foi desfeito o par de almas suas (há uma só agora onde antes havia duas),
Dividido por este muro de morte inclemente –
Mas, querida, ele juntar-se -á a ti, brevemente…
Trilhando os caminhos do seu sangue o teu amor ele há-de encontrar,
Assim como tu encontraste a força para com a miserável vida acabar.
E tal como tu o fizeste, assim haverá ele de se matar.
Para o sono eterno ele é embalado num cálido e fundo poço avermelhado
Enquanto a sua mão na tua se enterra – e ouve, querida, o que ele, corajoso, te grita:
“Leva-me desta terra e marca, com o fim desta noite – desta noite –, o fim da vida.
Quero sentir os lábios que, sombrios, governam o Reino do Obscurecimento –
E saborear o teu beijo sanguinolento-lento-lento-lentamente…
Preto nº 1
Ela gosta de ficar sozinha,
No escuro, deitada,
Onde por si mesma se apaixonou
E a si própria se satisfaz,
Enquanto tenta, em vão, morder,
O pescoço de cor branca aleitada
Onde tem gravada a Marca de Satanás…
É uma Eva vazia de coordenadas celestiais,
Prenhe de sombras incandescentes, que
Durante o plenilúnio de Outubro, nos dará um
– Um só! – dócil beijo ou
Seiscentas e sessenta e seis travessuras dolentes?
Uma coisa é certa:
Ela
Falo
Ah…
Todos os dias se encontra com Nosferatu à meia-noite
E o Príncipe das Trevas sabe (é um facto)
Que ela o castigará com um beijo numa
Face e numa nádega com um açoite…
E ela ri-se e ri-se e ri-se quando lhe chamo mazinha…
Ri-se com aquele seu risinho de bruxinha…
Mas ela quer de si própria sair
Porque o vento na cara lhe chuvisca
Mas dela ela não se pode despir
Porque a si mesma está enraizada
E as raízes estão à vista…
Disfarça-as, corta-as, arranca-as e queima-as
Ou perfuma-as de Preto Nº 1…
Traja nada mais que umas botinas de pele de chacal
E colada ao corpo uma justa gabardine
– E um cigarro (cheira a cravo-da-índia) por acender na boca…
Lá vai despida para um funeral
Porno-erótico, nos seus trejeitos de louca,
Desejando-nos um Feliz Halloween.
O perfume dela tem o odor de outonais folhas caídas e queimadas
(Já acendeu o cigarro e já o bafora);
Lá vai o lindo e maravilhoso monstro e não há quem a abomine…
Para ela, todos os dias são Halloween…
Enterrarmo-nos naquela criatura
É como desenterrar um cadáver de uma sepultura
Funda, fria e escura…
Mulher Cristã
Perdoai-a, Pai,
Pois ela não sabe
O que faz…
Uma cruz mal pendurada, prestes a cair,
Na parede de cabeceira do seu quarto
Prenuncia a queda que da graça ela dará.
Enquanto uma efígie lhe arde na mente
E escorre, lava liquescente,
Por entre as coxas…
E ela questiona à figura do homem santo na cruz pregado,
O homem que se prestou a beber o vinho e a comer o pão
E a digerir toda as dores do homem seu irmão
E a defecar a Salvação (um cagalhão do tamanho do mundo),
Homem santo supra-sumo da sordidez,
Quase nu, ensanguentado, pornograficamente violentado,
Um exânime Deus, já moribundo:
“Quanto (te) virás Tu outra vez?”
E eu te respondo, mulher:
“Perante o teu Mestre, deverás implorar para O servir ou para O agradar
A ele, O do corpo marcado de ferimentos, em vivo sangue,
Ainda vermelhos,
Seja subjugada de costas no chão, seja no chão curvada
De joelhos…
Os teus pecados vão para além de qualquer absolvição
Mas talvez tu mesma prefiras a Punição?...
Acreditarás tu o suficiente para te sacrificares ao sofrimento
Eternamente – na fé, na alma, na mente?
Acreditarás tu o suficiente para te sacrificares ao sofrimento
Internamente – nos ossos, no sangue, no ventre?”
Arderá no inferno a sua alma sibarita:
Primeiro cozida ao de leve, depois bem frita…
E durante a missa, ela toca-se com uma mão
(A outra no pescoço agarra uma cruz)
Escrevendo no clítoris, com o dedo indicador
As letras que formam o nome do seu salvador:
J-E-S-U-S
Ela precisa sentir ressoar o evangelho de Jesus
Cristo profundamente dentro dela.
Jesus Cristo, eutícomo, é como eu:
Cabelo comprido e barba por fazer…
Jesus Cristo, anárquico, é ateu:
Versos despidos e uma religião por foder…
* Pequena brincadeira relativa ao IV Desafio do DRACULEA Café Poesia - uma forma de homenagem a Peter Steele, defunto vocalista de Type O'Negative, cujas letras das músicas "Bloody kisses", "Black nº 1" e "Christian Woman" me inspiraram para a respectiva tradução e subsequente composição deste tríptico.
Os galhos dos salgueiros esticam os dedos na direcção da praia
Onde dança a tua voz, confundindo-se com o som das ondas
E com o sabor da maresia; os salgueiros estão lá no morro de onde
Te espreito: descalça pisando as areias quentes sob os teus pés
– nua nadando por entre um mar de mescalina. Lá onde eu morro
Já antes de mim morreram outros, mil outros mais, diabos e anjos
Cujas ossadas foram já desfeitas pelo lento languidescer dos séculos
E pelo peso do teu corpo e da tua voz. Faço-te adeus, apesar de me
Não veres – aqui invisível aos teus olhos me prostro a morrer, acenando
O sol que se deita para lá do horizonte na tua cama. E os gemidos
Delicados das ondas que beijam a praia levantam das suas sepulturas
Os espíritos de todos aqueles outros que morreram já antes de mim:
Uma tribo de índios, uns velhos e outros novos, estes de peito duro
E castanho queimado pelo sol que reina alto, aqueles de peito mole
E castanho queimado pelas fogueiras à beira das quais se habituaram
A dançar. E dançando e cantando para lá da morte continuam:
Inda he inda he inda he indahehe! Inda he inda he inda he indahehe!
Ainda te ouço mas já te não vejo; o cântico dos índios ecoa pela tua garganta
– ou a tua presença pela garganta deles, quem sabe? Eu só sei que hoje é
Uma boa noite para morrer: por isso dançarei na companhia dos índios,
Promíscuos, felizes, ao som da tua cantiga de embalar.
E quando me deitar, tal como o sol se deita para lá do horizonte na tua cama,
Esticarei os meus dedos uma última vez e colherei um punhado
De folhas de um salgueiro dobrado pelo teu sopro (sim, eu sei que me esperas lá
Na linha do horizonte); e espalhá-las-ei, jogando-as ao ar, sobre o meu corpo
Nu e prenhe de música – e de imortalidade.
Paisagem: uma cidade moderna
O cair da noite tapa a cidade
Com um manto de culpa e remorso,
Gravando-lhe nas costas e no torso
Os castigos pela sua vaidade.
Mas seus mil fortes braços de betão
Suportam a cúpula tenebrosa
Que, bela, se insinua laivosa
E lhe preenche o jovem coração.
De manhã, novo tempo, novo espaço.
A cidade acorda seu corpo lasso
E para mais um dia se prepara.
E é assim com um olhar meio baço
Que a cidade dá seu primeiro passo
Fingindo-se um sorriso na cara.
S/título
As manhãs sempre trazem o sopro de uma nova vida,
Uma vida que vem não substituir e apagar a anterior e todas
As anteriores antes da anterior a ser apagada e substituída, mas
Simplesmente juntar-se, como numa amálgama de vidas
– e de mortes, claro – à complexidade de redes e de signos em que
Se torna a vida – ai a vida, a vida. Talvez fosse mais fácil
Falar de mortes, claro; de mortes e de mortos: os mortos não respondem,
Ainda que lhes falemos na obscuridade da noite ou que deles falemos
Pelas costas. Mas às vezes os mortos respondem, diz-me uma voz soprada
Por uma nova manhã. Às vezes os mortos respondem e riem dos que cá
Ficaram. Cientes de que nunca voltarão. Mas riem em silêncio, [aprendizes
Que são dos magistérios da vida eterna. Os silêncios são de ouro, aprendi
Com uma velha que poderia ter sido minha avó; e os mortos viajam
Depressa e com um sorriso crepuscular nos lábios lívidos.
Ai a vida, a vida… pantanosa, palúdica, a vida…
Até que uma Nosferatu invocou o julgamento de Salém…
O país de sonho que lhe foi sussurrado nos seus sonhos.
Conta, com a sua voz de fumo, de olhos cerrados,
As trágicas maravilhas de um povo que carrega o luto
Nas palavras e nos gestos solenes e gastos, monárquicos
Mesmo no seio da mais baixa ralé republicana;
As maravilhosas tragédias de um povo que, desnudo
Descalço, desdentado, avança para o mar em barcaças
Apenas tão duras quão duros são os calos das mãos
E com velas tão pandas quão pando pode ser
Um mar de negros xailes vogando no horizonte.
Cerradas as pálpebras, persianas das janelas da alma,
Resta imaginar o sonho de um punhado de capitães,
Os tais que desabrochariam em Abril, os tais que sem sangue
Vingariam as costas marcadas pelos chicotes e pelos cigarros dos
Putrefactos, insolentes, desumanos, energúmenos
Verdugos de um fadário que se vestiu a preto e branco.
Inspira, de olhos enclausurados, o último suspiro do adeus ao [passado;
O primeiro florir da manhã que se adivinhava nas cores ainda por [descobrir…
Não se vê sombra,
Não se vê luz,
Não se vê nada.
Tudo é escuro e o tudo
Esconde a presença dissimulada
De um odor trazido pela aragem
Gélida e serena…
Odor doce de amêndoas que alivia
A dor ausente que o toque da morte gangrena.
Olhou-me um rosto outro do outro lado do espelho
Hoje ou amanhã ou ontem, não o sei bem.
Olhou para dentro de mim e olhou em minha volta
Com o estranho estranhamento de quem estranha
A familiaridade da âncora que
Quotidianamente ancora
Alguém à sua hora.
Entrei em pânico e saí de mim mesmo
Pela porta fora.
Sei-me melhor no não ver-me
Do que no olhar-me e desconhecer-me.
Flores púrpuras desabrocham
No céu cor-de-sangue
À medida que línguas de veludo
Chicoteiam as coxas suadas
E ardentes
De 1000 virgens gemendo inclemência.
E cada gota de saliva derramada
É um mar de sémen e é um mar de prazer
Jorrando das pétalas arrancadas e atiradas ao vento do [infortúnio…
E há uma voz que chora:
Uma mão angelical afaga-nos o cabelo
E toca-nos o sexo em cada momento de desespero…