27 abril, 2010

S/título


E na dança arbórea

Do corpo maduro

E gasto,

Vieram-se a saber

Os dedos que rebolaram,

Vento seco,

No verde pasto...

20 abril, 2010

Tríptico Sangue Tipo O negativo

Beijos Sanguinolentos


Há não muito tempo mas assaz distante:

Num invernal dia chuvoso e trovejante,

Tanta dor havia que dentro dela estava contida…

Tanta dor que não podia ser escondida.

Mas a pobre nem por socorro gritou –

E, silente assassina, a si própria matou.

Ciente da impossibilidade da redenção, tanto da Vida como do Amor,

A ambos arrastou para a cova, no seu último estertor.


Foi desfeito o par de almas suas (há uma só agora onde antes havia duas),

Dividido por este muro de morte inclemente –

Mas, querida, ele juntar-se -á a ti, brevemente…

Trilhando os caminhos do seu sangue o teu amor ele há-de encontrar,

Assim como tu encontraste a força para com a miserável vida acabar.

E tal como tu o fizeste, assim haverá ele de se matar.


Para o sono eterno ele é embalado num cálido e fundo poço avermelhado

Enquanto a sua mão na tua se enterra – e ouve, querida, o que ele, corajoso, te grita:

“Leva-me desta terra e marca, com o fim desta noite – desta noite –, o fim da vida.

Quero sentir os lábios que, sombrios, governam o Reino do Obscurecimento –

E saborear o teu beijo sanguinolento-lento-lento-lentamente…

…morrendo.”




Preto nº 1


Ela gosta de ficar sozinha,

No escuro, deitada,

Onde por si mesma se apaixonou

E a si própria se satisfaz,

Enquanto tenta, em vão, morder,

O pescoço de cor branca aleitada

Onde tem gravada a Marca de Satanás…


É uma Eva vazia de coordenadas celestiais,

Prenhe de sombras incandescentes, que

Durante o plenilúnio de Outubro, nos dará um

– Um só! – dócil beijo ou

Seiscentas e sessenta e seis travessuras dolentes?


Uma coisa é certa:

Ela

Falo

Ah…


Todos os dias se encontra com Nosferatu à meia-noite

E o Príncipe das Trevas sabe (é um facto)

Que ela o castigará com um beijo numa

Face e numa nádega com um açoite…


E ela ri-se e ri-se e ri-se quando lhe chamo mazinha…

Ri-se com aquele seu risinho de bruxinha…


Mas ela quer de si própria sair

Porque o vento na cara lhe chuvisca

Mas dela ela não se pode despir

Porque a si mesma está enraizada

E as raízes estão à vista…


Disfarça-as, corta-as, arranca-as e queima-as

Ou perfuma-as de Preto Nº 1…


Traja nada mais que umas botinas de pele de chacal

E colada ao corpo uma justa gabardine

– E um cigarro (cheira a cravo-da-índia) por acender na boca…

Lá vai despida para um funeral

Porno-erótico, nos seus trejeitos de louca,

Desejando-nos um Feliz Halloween.

O perfume dela tem o odor de outonais folhas caídas e queimadas

(Já acendeu o cigarro e já o bafora);

Lá vai o lindo e maravilhoso monstro e não há quem a abomine…

Para ela, todos os dias são Halloween…


Enterrarmo-nos naquela criatura

É como desenterrar um cadáver de uma sepultura

Funda, fria e escura…




Mulher Cristã


Perdoai-a, Pai,

Pois ela não sabe

O que faz…


Uma cruz mal pendurada, prestes a cair,

Na parede de cabeceira do seu quarto

Prenuncia a queda que da graça ela dará.

Enquanto uma efígie lhe arde na mente

E escorre, lava liquescente,

Por entre as coxas…

E ela questiona à figura do homem santo na cruz pregado,

O homem que se prestou a beber o vinho e a comer o pão

E a digerir toda as dores do homem seu irmão

E a defecar a Salvação (um cagalhão do tamanho do mundo),

Homem santo supra-sumo da sordidez,

Quase nu, ensanguentado, pornograficamente violentado,

Um exânime Deus, já moribundo:

“Quanto (te) virás Tu outra vez?”


E eu te respondo, mulher:


“Perante o teu Mestre, deverás implorar para O servir ou para O agradar

A ele, O do corpo marcado de ferimentos, em vivo sangue,

Ainda vermelhos,

Seja subjugada de costas no chão, seja no chão curvada

De joelhos…


Os teus pecados vão para além de qualquer absolvição

Mas talvez tu mesma prefiras a Punição?...


Acreditarás tu o suficiente para te sacrificares ao sofrimento

Eternamente – na fé, na alma, na mente?

Acreditarás tu o suficiente para te sacrificares ao sofrimento

Internamente – nos ossos, no sangue, no ventre?”


Arderá no inferno a sua alma sibarita:

Primeiro cozida ao de leve, depois bem frita…

E durante a missa, ela toca-se com uma mão

(A outra no pescoço agarra uma cruz)

Escrevendo no clítoris, com o dedo indicador

As letras que formam o nome do seu salvador:

J-E-S-U-S


Ela precisa sentir ressoar o evangelho de Jesus

Cristo profundamente dentro dela.


Jesus Cristo, eutícomo, é como eu:

Cabelo comprido e barba por fazer…

Jesus Cristo, anárquico, é ateu:

Versos despidos e uma religião por foder…




* Pequena brincadeira relativa ao IV Desafio do DRACULEA Café Poesia - uma forma de homenagem a Peter Steele, defunto vocalista de Type O'Negative, cujas letras das músicas "Bloody kisses", "Black nº 1" e "Christian Woman" me inspiraram para a respectiva tradução e subsequente composição deste tríptico.

13 abril, 2010

Inda He Inda He Indahehe


Os galhos dos salgueiros esticam os dedos na direcç
ão da praia

Onde dança a tua voz, confundindo-se com o som das ondas

E com o sabor da maresia; os salgueiros estão lá no morro de onde

Te espreito: descalça pisando as areias quentes sob os teus pés

– nua nadando por entre um mar de mescalina. Lá onde eu morro

Já antes de mim morreram outros, mil outros mais, diabos e anjos

Cujas ossadas foram já desfeitas pelo lento languidescer dos séculos

E pelo peso do teu corpo e da tua voz. Faço-te adeus, apesar de me

Não veres – aqui invisível aos teus olhos me prostro a morrer, acenando

O sol que se deita para lá do horizonte na tua cama. E os gemidos

Delicados das ondas que beijam a praia levantam das suas sepulturas

Os espíritos de todos aqueles outros que morreram já antes de mim:

Uma tribo de índios, uns velhos e outros novos, estes de peito duro

E castanho queimado pelo sol que reina alto, aqueles de peito mole

E castanho queimado pelas fogueiras à beira das quais se habituaram

A dançar. E dançando e cantando para lá da morte continuam:

Inda he inda he inda he indahehe! Inda he inda he inda he indahehe!

Ainda te ouço mas já te não vejo; o cântico dos índios ecoa pela tua garganta

– ou a tua presença pela garganta deles, quem sabe? Eu só sei que hoje é

Uma boa noite para morrer: por isso dançarei na companhia dos índios,

Promíscuos, felizes, ao som da tua cantiga de embalar.

E quando me deitar, tal como o sol se deita para lá do horizonte na tua cama,

Esticarei os meus dedos uma última vez e colherei um punhado

De folhas de um salgueiro dobrado pelo teu sopro (sim, eu sei que me esperas lá

Na linha do horizonte); e espalhá-las-ei, jogando-as ao ar, sobre o meu corpo

Nu e prenhe de música – e de imortalidade.

09 abril, 2010

Paisagem: uma cidade moderna


O cair da noite tapa a cidade

Com um manto de culpa e remorso,

Gravando-lhe nas costas e no torso

Os castigos pela sua vaidade.


Mas seus mil fortes braços de betão

Suportam a cúpula tenebrosa

Que, bela, se insinua laivosa

E lhe preenche o jovem coração.


De manhã, novo tempo, novo espaço.

A cidade acorda seu corpo lasso

E para mais um dia se prepara.


E é assim com um olhar meio baço

Que a cidade dá seu primeiro passo

Fingindo-se um sorriso na cara.

S/título


As manhãs sempre trazem o sopro de uma nova vida,

Uma vida que vem não substituir e apagar a anterior e todas

As anteriores antes da anterior a ser apagada e substituída, mas

Simplesmente juntar-se, como numa amálgama de vidas

– e de mortes, claro – à complexidade de redes e de signos em que

Se torna a vida – ai a vida, a vida. Talvez fosse mais fácil

Falar de mortes, claro; de mortes e de mortos: os mortos não respondem,

Ainda que lhes falemos na obscuridade da noite ou que deles falemos

Pelas costas. Mas às vezes os mortos respondem, diz-me uma voz soprada

Por uma nova manhã. Às vezes os mortos respondem e riem dos que cá

Ficaram. Cientes de que nunca voltarão. Mas riem em silêncio, [aprendizes

Que são dos magistérios da vida eterna. Os silêncios são de ouro, aprendi

Com uma velha que poderia ter sido minha avó; e os mortos viajam

Depressa e com um sorriso crepuscular nos lábios lívidos.

Ai a vida, a vida… pantanosa, palúdica, a vida…

08 abril, 2010

Shiva


O anjo-da-morte tem olhos de serpente
E são vermelhos.
Shiva.
Tapem todos os espelhos.

Através do vale da morte
Somos conduzidos por entre duas colinas gémeas.

Meus anjos-da-guarda são fêmeas:
Valquírias,
Princesas judias,
Rainhas sírias.

Imperadores Romanos,
Filósofos gregos,
Messias hebraicos,
Profetas cegos,
Parem!
O shiva terminou...

Destapem os espelhos.
Contemplem-se.
Os vossos rostos (e os vossos deuses) estão velhos...

Salém


A noite está envolta em fenómenos,
Sons e luzes que vêem do céu
E vão parar ao centro da cidade.
Bestas enjauladas no subsolo com as suas filhas virgens
Por sua vez encarceradas na sua própria virgindade...
Voam as bruxas nos seus paus-de-vassoura
E reúnem-se à volta do fogo
Para dar início ao discurso de abertura.
À praxe sempre cerimoniosa que antecede um ritual antigo
Antecedem-se 12 badaladas dadas pelo sino da igreja.
Meia-noite na praia.
Os nomes proferidos são indecifráveis
Mas os nomes são para os jazigos.
As bruxas devaneiam pelo cemitério
E as loucas mulheres do sultão correm nuas pelo areal
Fazendo amor como cadelas com o cio.
As ondas quebram-se nas rochas
Sob a luz do luar que encanta as filhas de Vénus.
É convicção de Judas-Mulher que as bruxas
Não passavam de ninfomaníacas
E que foram as cristãs que as condenaram
À fogueira
Por levaram os seus homens para a húmida orla da floresta
Em loucos banquetes, orgias e festas...
E todos viviam felizes no bosque do amor
Até que uma qualquer nosferatu invocou o julgamento de Salém...

Até que uma Nosferatu invocou o julgamento de Salém…


07 abril, 2010

O Fado do Pobre Coitado do Diabo


Acordei e pus-me a beber
Chá de menta com absinto;
P'ra voltar a adormecer
Num poço de vinho tinto.

O poço era muito escuro,
Nem se lhe via o fundo.
Lá morava Satã: duro,
Sisudo, cogitabundo.

Quis que eu, de imediato,
Me tornasse seu vassalo!
Tive que assinar um contrato
Que me força a enrabá-lo!

Sodomizei o Diabo
À frente das nossas mães,
E a seguir lambi o rabo
A uma corja de cães.

Natureza Morta: a maresia numa concha de berbigão


Quando acordo de madrugada
E sinto o corpo do meu amor
Deitado a meu lado
Pela ausência denunciada
Nos lençóis ainda tépidos
Sei que ela se foi mas que voltará...

Se a quisesse procurar, saberia onde encontrá-la:
Sentada à beira d'água, cavalgando
Com os olhos as ondas, penteando os cabelos
Com as conchas dos berbigões que comeu
E que lhe deixaram na língua
O travo do mar...

Mas nunca vou procurá-la, sei que ela
Aqui estará, deitada a meu lado,
De manhã, quando eu acordar...

06 abril, 2010

S/título


Canta, de olhos fechados, com a sua voz de fumo,

O país de sonho que lhe foi sussurrado nos seus sonhos.

Conta, com a sua voz de fumo, de olhos cerrados,

As trágicas maravilhas de um povo que carrega o luto

Nas palavras e nos gestos solenes e gastos, monárquicos

Mesmo no seio da mais baixa ralé republicana;

As maravilhosas tragédias de um povo que, desnudo

Descalço, desdentado, avança para o mar em barcaças

Apenas tão duras quão duros são os calos das mãos

E com velas tão pandas quão pando pode ser

Um mar de negros xailes vogando no horizonte.

Cerradas as pálpebras, persianas das janelas da alma,

Resta imaginar o sonho de um punhado de capitães,

Os tais que desabrochariam em Abril, os tais que sem sangue

Vingariam as costas marcadas pelos chicotes e pelos cigarros dos

Putrefactos, insolentes, desumanos, energúmenos

Verdugos de um fadário que se vestiu a preto e branco.

Inspira, de olhos enclausurados, o último suspiro do adeus ao [passado;

O primeiro florir da manhã que se adivinhava nas cores ainda por [descobrir…





Trabalho plástico de Ursula Mestre a partir de uma fotografia de autor desconhecido,
encontrada aqui.

01 abril, 2010

S/título


Pela porta escancarada para o rosto da noite

Não se vê sombra,

Não se vê luz,

Não se vê nada.

Tudo é escuro e o tudo

Esconde a presença dissimulada

De um odor trazido pela aragem

Gélida e serena…

Odor doce de amêndoas que alivia

A dor ausente que o toque da morte gangrena.

S/título


Olhou-me um rosto outro do outro lado do espelho

Hoje ou amanhã ou ontem, não o sei bem.

Olhou para dentro de mim e olhou em minha volta

Com o estranho estranhamento de quem estranha

A familiaridade da âncora que

Quotidianamente ancora

Alguém à sua hora.

Entrei em pânico e saí de mim mesmo

Pela porta fora.

Sei-me melhor no não ver-me

Do que no olhar-me e desconhecer-me.

Flores Púrpuras


Flores púrpuras desabrocham

No céu cor-de-sangue

À medida que línguas de veludo

Chicoteiam as coxas suadas

E ardentes

De 1000 virgens gemendo inclemência.

E cada gota de saliva derramada

É um mar de sémen e é um mar de prazer

Jorrando das pétalas arrancadas e atiradas ao vento do [infortúnio…

E há uma voz que chora:

Uma mão angelical afaga-nos o cabelo

E toca-nos o sexo em cada momento de desespero…