26 janeiro, 2012

Açores


No céu do meu quarto
vejo vacas a pastar,
pastam o aroma salgado
do atlântico mar.

Nas paredes nascem
mil videiras que eu trepo
até ao frio e espumoso
chão que é o meu tecto.

Um bando de açores
no céu da imaginação…
Voam-me nove ilhas
em volta do coração.

13 janeiro, 2012

Soltaram os Loucos


Soltaram os loucos! E agora andam os loucos
Pelas ruas gritando, pulando, fornicando,
Agindo os loucos como loucos que são!
Escrevem versos no ar, pintam murais no asfalto,
E põem-se muito sérios a admirar
Os carros que passam e as vidas que passam lá do alto
Dos prédios para onde amarinharam,
Como aranhas, como crianças, como loucos que são.
Dão de comer aos cães vadios e acolhem os gatos no seu regaço
E quando encontram um desconhecido
Não se furtam a dar-lhes um abraço!
E ficam muitas horas a olhar para o céu como quem olha para mais longe –
Dizem que estão à espera que cheguem as naves
Que os hão-de transportar para o espaço,
Para um planeta sem paredes, sem portas, sem chaves…
E assim ficam parados no meio da rua os loucos, como loucos que são,
Desordenando a ordem desordenada de um mundo ordeiro e são,
No meio dos outros que deles zombam como os verdadeiros loucos que são.

12 janeiro, 2012

van Gogh

Há um louco urrando por detrás da minha orelha,
Agachadinho de cócoras, para que ninguém o veja,
Para que todos pensem que o louco sou eu.
Desde criança que os seus urros me moem o juízo
Mas um dia hei-de arrancar a orelha, sem aviso,
À dentada – nem ele saberá o que lhe aconteceu…

11 janeiro, 2012

Oh Capitão


Oh capitão insano,
poucos são os loucos que te dão ouvidos!

Oh insano capitão,
só alguns ou nenhuns te são queridos!

Capitão insano oh
como como como como tu comes de resto!

Capitão oh insano
irmão sob cuja orientação eu me apresto!

Insano capitão oh
A tua vida e o teu comando estão por um fio!

Insano oh capitão,
aqui me afundo eu contigo e com o teu navio...

10 janeiro, 2012

Paisagem: anjos disfarçados de canibais


Eu cheiro o sangue na ruas
vomitado por animais
e sei que entre nós há anjos famintos
disfarçados de canibais.
Deixaram as asas para trás
algures a meio do caminho -
e hoje Deus (se é que há um Deus)
chora no céu sozinho.
O céu azul de Abril é suavizado
por nuvens brancas como almofadas:
é a cama que Deus fez para si mesmo
com milhares de asas arrancadas.
E enquanto esse Deus dorme no céu,
na terra os homens matam seus iguais -
e sei que entre nós há anjos famintos
disfarçados de canibais.

09 janeiro, 2012

S/título



Nos versos ladrilhados do chão que piso
há uma sensação, a cada passo dado,
de areia movediça fugindo por debaixo dos pés
e subindo pelo corpo acima:
preenchendo cada poro,
edificando uma escultura de areia viva no meu corpo,
desmoronando-se a cada sopro ressacado
das ondas do pensamento.

05 janeiro, 2012

S/título


Plana a gaivota
No céu plano outrora
Profundo agora
Carregado de nuvens que lhe emprestam textura.
Busca-me o vento…
Encontra-me a pele,
Encontro-lhe a dele,
E solto-o livre como o vento fosse ave canora.
Canta teu augúrio
A todas as portas
Com todas as notas
Ó ave da tempestade arauta
E avisa toda a alma incauta
Com a tua voz insonora…

02 janeiro, 2012

Paisagem: um céu nocturno despido de estrelas e mil lâmpadas acesas na linha do horizonte


Ao morrer da tarde, o vento traz
o cheiro da tempestade que abraça
o aroma das roseiras: a chuva miudinha
lava a terra e a luz da lua e das estrelas
ilumina as nuvens por dentro: lá
onde o olho humano não alcança.
Colho uma rosa - desfloro-a. Pétala a pétala
engulo a espessura do silêncio que precede
a madrugada.
Ao longe vejo os montes iluminados por mil
lâmpadas acesas como estrelas em casas espalhadas
pelo horizonte mas que não se vêem nos mapas: podes tocar
países inteiros com a ponta dos dedos mas nunca
hás-de fazer cócegas às pessoas que neles habitam.
O céu está negro de nuvens e expectativa de relâmpagos
e despido de estrelas - escondidas para lá
de três mil metros de procela - e eu já não sei
se distingo onde é o céu: se lá
no alto onde a luz da lua não atravessa o corpo das nuvens
se ali em baixo onde as estrelas cintilam nos montes.
Abro os braços como quem abre asas -
grito como quem liga um motor -
inspiro a noite de um trago só como quem liga uma hélice
e sente o vento beijar os objectos nus e claros -
e voo - voo por dentro da noite e de mim mesmo,
ignaro de onde parto e para onde vou.