08 agosto, 2014

Paisagem: vento de verão

Uma voz áspera sussurra aos ouvidos do poeta, quebrando assim o silêncio absoluto do final da tarde, estilhaçando-o em pequenos pedaços como um vaso de vidro colorido que lhe escapasse das mãos tenras. A voz continua a falar, à medida que os braços da noite apertam o seu cerco, ainda que já não seja ouvida. Na verdade, nunca o foi - não seria um trovão e sim um relâmpago a acordar o poeta do estado letárgico, catatónico, em que se encontrava mergulhado. Um relâmpago de imagens, uma luz de versos, uma voz incandescente de ritmos - uma pulsão frenética e inebriante que encharca a boca e as tripas de uma poção xamânica, como os ventos do deserto, que leva o sujeito, adâmico, a escrever o que não sente, a dançar com as labaredas de uma fogueira que não arde senão no papel, a copular com a serpente depois que uma miríade de miríades de evas largaram as suas peles e devoraram não só a maçã mas toda a macieira. Na areia da praia, molhada das ondas de água salgada e fria e dos jorros de sémen acre e quente, ficarão gravadas, enquanto a maré não subir outra vez, as letras dos versos escritos e os ziguezagues licenciosos da cobra e do homem. Porque antes de serem poetas - nascidos para buscar a imortalidade -, os poetas nascem homens e mulheres - para que, de mãos dadas, o amor e a morte nos encontrem.