21 julho, 2010

Retrato de Um Sonho



Sonho-nos viajando pelo tempo no deserto

Montados em camelos e em dragões e em serpentes.

Sonho nus os nossos corpos jovens no leito do rio

Banhando-se nas escamas áridas das noites de verão.



E banqueteio-me das tuas pegadas – recordas-te,

Do dia em que as gravaste no céu, ao caminhares rio acima?



Hoje quero-me dançar-te, valsando pelas sombras de ti,

De ti que me atravessaste o peito

De bolas de pêlo e de balas de prata

Enquanto me sussurravas:

“São os sonhos caninos como lobos pequeninos, dentinhos

Como agulhas que ardem como faúlhas ao cravar a carne”…



Como-os eu enquanto os reúnes em rebanhos tu, Úrsula –

Aos sonhos.

14 julho, 2010

Paisagem: República Canibal de Alexandria

Hoje quero soprar para longe de mim as canseiras

Que me tornam o corpo pesado e lasso, que me sujam

Os cabelos na lama e mos enrolam à volta dos braços

Como pulseiras. Nunca me pensei cativo do meu próprio

Corpo nem cárcere dos meus versos. Quero cantar o verão

Que morreu em mim, no interior do peito que já murchou.

Contar, pétala a pétala, as flores do mal que Baudelaire

Plantou no seu jardim. Quisera eu enrolar-me em tempos

No corpo do Diabo e enamorar-me dos poetas malditos,

E rebolar-me na sua tinta como uma virgem promíscua

E voraz que saltita de cama em cama, não sabendo

Muito bem o que procurar – se é que demanda

Algo mais que o mero prazer da descoberta morfo-carnal.

Aqui proclamo a República Canibal de Alexandria!

Soltem todos os gatos pretos à rua e deixem-nos procriar

Sob o tecto estrelado que Dalí poderia ter pintado – ou

Cozinhado como um ovo.

Soltem todas as serpentes e enviem-nas, na vez

Dos pombos-correio, entregar as boas-novas a todos

Os habitantes do Éden.

Soltem todos os corvos e façam-nos pintar o céu

Com a cor dos seus bandos.

Soltem todos os poetas, decreto eu!

E não se esqueçam de me deixar os portões do inferno bem abertos

(sim, sim, bem abertos como diabólicas mandíbulas

Emoldurando uma bonita e rapada vulva – dentro da qual

Se vislumbra o focinho de um torpe e peludo lobisomem),

Porque eu também descer pelo teu corpo abaixo – e adentro,

Bem adentro… – e brincar com os gatos que se escondem

Nas sombras dos teus recantos, e com as serpentes que dormem

Enroladas nos caracóis dos teus cabelos, e com os corvos que te voam

Pela tua negra alma afora, e com os poetas que tu assassinaste

– atravessando-lhes a alma com a ponta metálica e da tua pretoriana língua…

Anda, dá-me a mão e eu levo-te pelos círculos do inferno.

Dá-me o coração e eu espremo-te as vinhas da minha poesia

Para dentro da tua boca. Em troca, só te peço que me oiças,,

Oh Psicópatra:

Dá-me Roma inteira incendiada

Ou não me dês absolutamente nada!

10 julho, 2010

Homem-Deus-Campeão


Engole o asfalto a voraz serpente...
Cada escama um jersey, uma cor...
Homem-máquina em perfeito labor:
Pé e pedal, coração e corrente!

Embala o tempo, deixando-o dormente,
Seduz a estrada, fingindo-a sem dor,
Crava-lhe as presas, num beijo de amor,
Num abraço que nem o tempo sente...

Mil olhos de sangue fitam a meta,
Pedalam como não haja amanhã...
A eterna glória ao fim da recta!

Os sprinters encabeçam o pelotão
Como dedos de fogo de um titã...
Eis que surge o homem-deus-campeão!