30 outubro, 2008

Pelagus (II)


De olhar fixo no chão
Eratóstenes
Media o comprimento
Da sombra das suas varetas.
De olhar fixo no chão
Eratóstenes
Observava o universo
E calculava o
P_e__r___í____m_____e______t_______r________o
Da ambição humana.

23 outubro, 2008

S/título


Com a precisão cirúrgica
De um bisturi
A língua afiada
Grava
No relevo do osso limpo
A promessa
Inquebrantável
De unidade cósmica.
Mas o osso cede,
Parte-se
Como palitos,
Mil palitos
Em mil pedaços cada um
E escondidos.
Agulhas
No palheiro fechado
Da nevralgia humana.

16 outubro, 2008

Jerusalém Pela Manhã


Nasce o sol na sublimada Jerusalém
E em todos derrama sua luz mentecapta
Rebentando a manhã vinda do além.

A lente ateia do fotógrafo não capta
A verdadeira essência da religião
Ou as vidas sem culpa que uma bomba rapta.

O olho mecânico não fotografa a mão
Baptizada cristã ou a perna judia,
Nem sequer o braço temente ao Islão.

A lente apenas grava na fotografia
Um braço, uma mão e uma perna sem vida
E o resto dos corpos na calçada fria

Enquanto a voz de gargalhada suicida
Ecoa sonora pela Santa Cidade,
Certa de que a sua prece será ouvida.

Mas o que o mártir não sabe, em boa verdade,
É que morreu rezando a um deus que não o ouve
Pois sua existência é uma falsidade.

15 outubro, 2008

Pelagus (I)


Na senda da notícia anterior a respeito do Prémio de Poesia Actor Mário Viegas, deixo no Amendual o primeiro poema dos mais de 30 que compõem o "Pelagus", sendo que os restantes serão certamente aqui publicados no futuro.

No pélago estelar
Voga a nova raça de navegadores
Pelos mapas astrais
Através de computadores
Na sua busca consonântica
De in-
-------completude
-------finita

Prémio Leya


Foi ontem anunciado o nome do vencedor do Prémio Leya, um jornalista e documentarista brasileiro chamado Murilo António Carvalho. Até aqui nada de estranho, uma vez que o Prémio pretendia divulgar a língua portuguesa (em qualquer um dos seus riquíssimos padrões). O que é estranho, em minha modesta opinião, é que para além da consequente publicação do romance vencedor , "O Rastro do Jaguar", apenas tenham sido (entre 422 obras finalistas, das quais o meu romance "A Noite Mais Escura" foi uma delas) propostas para edição mais 3 (julgo ser este o número) e, pasme-se, todas elas de autores brasileiros! Nem um português será publicado no rescaldo do Prémio Leya que, recorde-se, é um prémio literário que visa a promoção e divulgação da língua portuguesa, e que é patrocinado por um grupo empresarial português... Bem, as reacções já se fizeram ouvir pela blogosfera fora, por isso, não me parece que eu tenha algo a dizer a mais do que aquilo que já foi dito por outros bloggers bem mais lidos do que eu. Deixo apenas o desabafo: é pena que o senhor Miguel Paes do Amaral não tenha sabido fazer do Leya o mesmo que fez da TVI, uma máquina de produção portuguesa (alguém duvida que é no 4º canal que se faz a melhor ficção portuguesa, actualmente? - quando falo em melhor, estou obviamente a fazê-lo em termos de "venda do produto").
E por outro lado, será que queremos realmente vender a nossa obra ao mercado? Alguém já o disse, mais ou menos por estas palavras: há escritores que alcançam a fama em vida, há quem a alcance depois da morte; eu prefiro a segunda, é mais duradoira...

P.S.: terminado o "circo", vou arrumar as tralhas, que é como quem diz, reler novamente "A Noite Mais Escura", e vou começar a enviar a obra para as editoras; se ninguém a quiser, fica a promessa de a publicar aqui mesmo, no Amendual.

Prémio de Poesia Actor Mário Viegas


Soube-se
esta semana que o Prémio Nacional de Poesia Actor Mário Viegas, patrocinado pelo Centro Cultural Regional de Santarém, foi ganho por Fernando Cabrita, um ilustre poeta e advogado da cidade minha vizinha Olhão que é possuidor de uma já vasta obra e, inclusivamente, de alguns prémios. Resta, aqui deste meu cantinho, e tendo inclusivamente concorrido ao Prémio com a obra "Pelagus", dar os sinceros parabéns ao homem e, especialmente, ao poeta! Que continue a deixar a marca das suas pegadas na vereda da poesia portuguesa contemporânea é o meu voto.

09 outubro, 2008

s/título


Escrevi um dia um poema transversal
Cujas rimas me atravessaram de lés-a-lés
O corpo ritmado pela lenga-lenga
Das sílabas tónicas mal acentuadas.
Sentei-me a ouvir uma chuva miudinha
Batendo gentilmente à porta
E esqueci-me totalmente de como era
O meu poema transversal…
Só sei que começava por mim
E tinha um verso a mais do que o canonicamente suposto.

02 outubro, 2008

Amanhã Chovi


Já reparaste que as estrelas são olhos,
Espiões,
Janelas indiscretas,
Através das quais os deuses do anonimato
Nos admiram e desprezam?

Já alguma vez realizaste um filme,
Mudo e a cores,
Ou sonoro e a p/b,
Em que tiveste a Visão, o Olfacto, o Tacto, a Audição e o Paladar
Por espect-actores?

Já assististe porventura a algum concerto
Dentro da tua cabeça
Cujo maestro
Fosse banda e coro e solista todos ao mesmo tempo
E ainda batesse palmas?

Já te deste conta de que somos humanos?
Só humanos?
Divinamente humanos?
E que nunca fomos feitos de barro mas sim de carne
E de sonhos?

Já algum dia olhaste para o vento e cheiraste a chuva
E sentiste que o vento
E a chuva
São os suspiros e as lágrimas de deuses pagãos
E ancestrais?

Já terás tu notado em alguma manhã de nevoeiro
Que o sol,
Que todos os dias nasce,
Fá-lo por ti, pela tua individualidade que é bela
Como raios de luz?

Terás já tu reparado que nasceste e que vives?
Ou fingirás, como eu,
Nascer e morrer
Todos os dias, trepando por um cordão umbilical
Feito de sensações inventadas?

O meu coração anseia pelo dia em que te possa
Segredar ao ouvido:
Amanhã chovi.

Nasceu o Amendual...


Aqui brota uma pernada do amendual. Uma pernada apenas que vencerá raízes e, espero, se fará tronco e mais tarde árvore autónoma por direito próprio. Autónoma mas sempre ligada à semente original que lhe dá origem: o labirinto de palavras em que me perco e me acho dentro de mim mesmo. De mim mesmo para um eu outro, para um outro: o mundo que me cerca, do(s) mundo(s) que eu cerco. E esta árvore dará frutos, dará amêndoas (que outro fruto poderia eu dar, eu que sou filho da minha terra, o Algarve do sol escaldante e do céu azul e do mar calmo mas também da lua libidinosa e do céu negro e do mar revolto?); e cada amêndoa será uma dádiva de mim para quem me leia, de mim para quem me tome o sabor dos versos ou da prosa. É pouca esta fundamentação? Pois faço minhas as palavras de um outro Alexandre, o O´Neill:
"É pouco como projecto? Em todo o caso, é o meu"...