15 abril, 2014

No Campo da Morte Lenta

No campo da morte lenta
zumbem as moscas, mortiças.
Falta quem as alimente
de carnes magras, submissas.

No campo da morte lenta,
'inda o grito não chegara,
já o sangue espesso e quente
há muito que desertara.

No campo da morte lenta
plantou-se o grão Tarrafal
mas florescem para sempre
os cravos de Portugal.

13 abril, 2014

A quebra do silêncio

Dois meses de silêncio. Dois meses que nem foram longos nem foram breves, foram da medida exacta do que tinha a dizer. Nada. E quando nada há a dizer, o que haverá a ser escrito? Tudo. Não posso escrever o silêncio mas posso escrever tudo aquilo que tenho e também o que não tenho a dizer. Quando não puder ser eu, posso sempre inventar-me e inventar as palavras que não me apetecera dizer. E é assim, na quietude morna e branca da folha e no ritmo metálico e frio da máquina de escrever, que quebro o silêncio.

poema a sul e branco

aqui a sul
saímos da casca dos dias invernengos
caracóis cautelosos
de corpos moles e lentos
depois das chuvas já terem secado
na calidez telúrica do tempo

aqui a sul
a cor do céu espelhada no mar
confunde-se com
a cor do mar espalhada pelo céu
e a salmoura entranha-se nas palavras
e as bocas são banhadas por uma luz
olímpica de sol de verão

as paredes das casas
desmaiam-se de amores por dentro
de suores salgados queimando corpos morenos
gotas de desejo percorrendo nus flancos
desenhando um poema a sul e branco