08 novembro, 2014

Paisagem (muda, a p/b): a Berlim de Maria Madalena

a garganta vermelhoscura agita
parado o vento e o olor a sangue
gangrena a alvura de carne verde ainda
que se reclama madura as coxas pisadas
pelos cascos da morte repousam
graciosas decadentes alevantadas
os joelhos esfolados as canelas rasgadas
um par de pernas que saem descruzadas
da boca rubicunda e murcha onde jamais dorme
um olho sem pálpebra uma pétala sem flor
uma palavra sem nome

20 agosto, 2014

a morte um dia

embalar-nos-á a morte um dia
quando o grande relógio cessar de rodar os ponteiros
dizendo-nos a sua inércia que é a hora
de partir chegada

confortar-nos-á a morte um dia
quando oferecer o toque de um mamilo frio aos nossos lábios
que abocanharão seios murchos e vazios
de onde derramada toda a vida

beijar-nos-á a morte um dia
quando lhe sorrirmos em boas-vindas e abrindo o peito
como quem abre portas há muito fechadas
a convidarmos a entrar

abraçar-nos-á a morte um dia
entretanto beijemo-nos nós
confortemo-nos e embalemo-nos nós
enquanto abraçamos a vida
meu amor

12 agosto, 2014

S/título

apaguem-se todas as lanternas:
no meio de palacetes de pedra crua
e de jardins de carne nua
entre os homens
uma flor perde o perfume
pétala a pétala
para a solidão

08 agosto, 2014

Paisagem: vento de verão

Uma voz áspera sussurra aos ouvidos do poeta, quebrando assim o silêncio absoluto do final da tarde, estilhaçando-o em pequenos pedaços como um vaso de vidro colorido que lhe escapasse das mãos tenras. A voz continua a falar, à medida que os braços da noite apertam o seu cerco, ainda que já não seja ouvida. Na verdade, nunca o foi - não seria um trovão e sim um relâmpago a acordar o poeta do estado letárgico, catatónico, em que se encontrava mergulhado. Um relâmpago de imagens, uma luz de versos, uma voz incandescente de ritmos - uma pulsão frenética e inebriante que encharca a boca e as tripas de uma poção xamânica, como os ventos do deserto, que leva o sujeito, adâmico, a escrever o que não sente, a dançar com as labaredas de uma fogueira que não arde senão no papel, a copular com a serpente depois que uma miríade de miríades de evas largaram as suas peles e devoraram não só a maçã mas toda a macieira. Na areia da praia, molhada das ondas de água salgada e fria e dos jorros de sémen acre e quente, ficarão gravadas, enquanto a maré não subir outra vez, as letras dos versos escritos e os ziguezagues licenciosos da cobra e do homem. Porque antes de serem poetas - nascidos para buscar a imortalidade -, os poetas nascem homens e mulheres - para que, de mãos dadas, o amor e a morte nos encontrem.

20 julho, 2014

s/título

arde em mim uma distância
que me afasta da companhia dos homens
uma chama azuligelada
um incêndio sereno numa tundra pacífica
brilhante como uma estrela
isolada
no meio de céus de pedra
nocturnos e brancos
edénicos