Traduções

As traduções de poesia anglófona que se encontram nesta página são da autoria de Valter Ego e são meros exercícios literários, não se destinando a qualquer fim comercial. 


  • “O Corvo” (The Raven, Edgar Allan Poe)
  • "Annabel Lee" (Annabel Lee, Edgar Allan Poe)
  • "O Lago" (The Lake, Edgar Allan Poe)
  • "O Verme Conquistador" (The Conqueror Worm, Edgar Allan Poe)
  • "A Cidade no Mar" (The City in the Sea, Edgar Allan Poe)
  • "Escolhendo Quem Me Lê" (Selecting a Reader, Ted Kooser)
  • "Voando à Noite" (Flying at Night, Ted Kooser)
_________________________________________________________________________________


"O Corvo" 
trad. de The Raven de Edgar Allan Poe

À meia-noite de um frustrado dia meditava, cansado,
Sobre estranhos, raros tomos de ciência olvidada –
Quase passava p’las brasas, surgiu uma toada rasa
Batendo à porta de casa, batendo à porta fechada.
“É alguém”, eu resmunguei, “batendo à porta fechada –
Apenas isto e nada mais”.

Ah foi, como bem me lembro, que, num sombrio Dezembro,
Se contorcia morrendo cada cinza desalmada.
E eu ansiei p’lo devir; nos livros quis descobrir
Como a mágoa concluir – mágoa p’la perdida amada –
P’la brilhante dama a quem chamam os anjos de amada –
Aqui não responderá mais.

O incerto roçar sedoso do meu cortinado roxo
Encheu-me de uma aversão antes nunca experimentada;
Tanto que, p’ra me acalmar, a mim tive que provar:
“É só alguém a rogar que eu abra a porta fechada –
Um serôdio visitante rogando à porta fechada.
É isso, não é nada mais”.

Co’a força a se renovar, disse eu sem mais hesitar:
“Senhor, peço-vos, ou dama, que me seja perdoada
A sesta que ora fazendo fez-me ignorar quem batendo
Veio, tão subtil batendo, batendo à porta fechada" –
E escancarei, do que ouvira incerto, a porta fechada,
Só vi trevas e nada mais.

Temendo, sonhando os sonhos p’ra qualquer mortal medonhos
Bem dentro daquelas trevas a minha alma mergulhada,
Num silêncio sepulcral sem nada que desse sinal,
“Leonor” foi, por final, a fala, que, murmurada
Eu consegui sussurrar – e ela ecoou, murmurada.
Isto apenas e nada mais.

Voltei p’ra dentro de casa, com a alma ardendo em brasa,
Depressa ouvi a batida, então ‘inda mais pesada.
“É algo”, a mim repetia, “batendo na gelosia”;
Quis ver o que lá batia, p’ra ter minh’alma aquietada;
Explorar este mistério, p’ra ter minh’alma aquietada –
Seria o vento e nada mais.

De súbito abri a janela; e vi, excitado, por ela
Uma ave entrando – um corvo de uma época passada.
Sem sinal de reverência, e sem pedir anuência,
Subiu, a nobre excelência, ao alto da porta fechada –
No busto da deusa Atena, no alto da porta fechada
Empoleirou-se e nada mais.

E o alado ébano meu siso transfigurou num sorriso,
P’la austeridade briosa da feição apresentada.
“’Inda que não tenhas crista não és, por certo, ave arisca,
Horrenda ave, anosa e triste, a errar p’la madrugada –
Diz-me o teu sagrado nome nesta infernal madrugada!”
Respondeu o Corvo: “Jamais.”

Por pasmado que me visse ao ouvi-lo sem gaguice –
Embora pouco valor tenha a resposta dada –
Temos pois de concordar que humano algum viu seu lar
Uma ave abençoar, do alto da porta fechada –
Sobre um busto, ave ou demónio, no alto da porta fechada,
Com tal nome como “Jamais”.

Sentado em cima de Atena, só, o Corvo disse apenas
Aquela palavra, como não pudesse dizer nada
Mais do que o que já fizera – nem uma pena mexera –
Até que eu entredissera: “como outros em debandada
Amanhã voará, como meu ânimo em debandada.
Disse o pássaro então: “Jamais”.

“O que diz é, com certeza, sua única riqueza
(Fiquei de facto perplexo p’la resposta tão bem dada)
Que algum dono por lazer, sem qualquer piedade ter,
Lhe ensinou até morrer – até que apenas cantada
Fosse a canção da Esperança, melancolia cantada,
O duro fardo de Jamais.”

Mas ‘inda o corvo meu siso transfigurava em sorriso,
Pus um assento defronte a busto, ave e porta fechada;
Aí, no encosto me afundando, intentei, fantasiando,
Decifrar a ave, estudando a horrível ave malvada –
E o que a medonha, sinistra, horrível ave malvada
Queria dizer com “Jamais.”

Isto pus-me a adivinhar mas sem nada declarar
Aos ígneos olhos que a alma me deixavam inflamada;
Isto e mais tentei saber, relaxando todo o ser
Onde a costumava ver, p’la luz velosa alumiada,
Onde a não hei-de mais ver, p’la luz velosa alumiada –
No coxim violeta, ah, jamais!

Julgo que o ar ficou denso, perfumado por incenso,
Como se no chão um anjo deixasse som de passada.
“Deus, pobre demente”, a mim gritei, “dá-te de presente
Interlúdio e nepente para as lembranças da amada!
Oh sorve o doce nepente e esquece a perdida amada!”
Respondeu o Corvo: “Jamais.”

“Vate!”, disse eu, “ser macabro! – vate, pássaro ou diabo!
Quer por Satanás mandado ou arrastado p’la chuvada,
Triste mas intrépido ainda, nesta casa desavinda,
Imploro-te que tu digas a esta alma desgraçada:
Há bálsamo que alivie esta alma desgraçada?
Respondeu o Corvo: “Jamais.”

“Vate!”, disse eu, “ser macabro! – vate, pássaro ou diabo!
P’lo Deus que ambos adoramos – sob a abóbada estrelada –
Diz a esta alma agreste se, lá no Jardim Celeste,
Verá a dama que veste dos anjos o véu de amada –
A brilhante dama a quem chamam os anjos de amada.”
Respondeu o Corvo: “Jamais.”

"Façamos a despedida, demónio ou ave amiga,
Restitui-te à tempestade e à infernal madrugada!
Não me deixes pluma preta (sinal da mentira dita!)
Nesta solidão desdita! Sai-me da porta fechada!
Tira-me o bico do peito e a ti da porta fechada!"
Respondeu o Corvo: “Jamais.”

E ‘inda o Corvo que me assombra se encontra quedo, se encontra
Quieto no busto de Atena, ornando a porta fechada;
E os seus olhos dão-lhe o ar de um demónio a sonhar,
E no chão faz desenhar sua figura assombrada
De onde a minha alma, presa dessa vil ave assombrada,
Será levantada – Jamais!




_________________________________________________________________________________


“Annabel Lee” 
trad. de Annabel Lee de Edgar Allan Poe



Foi há muitos e muitos anos atrás, que viveu
À beira-mar, num reino que há ali,
Uma dama, que talvez conheçam, a quem alguém deu
O nome de Annabel Lee;
E esta dama não pensava em mais nada para além
De amar-me e ser amada por mim.

Eu era uma criança e ela era uma criança,
À beira-mar, neste reino que há ali
Mas o nosso amor era um amor que era mais que amor –
O meu e da Annabel Lee;
Era um amor que os celestiais serafins alados
Nos cobiçavam – a ela e a mim.

E esta foi a razão porque, há muito tempo atrás,
À beira-mar, neste reino que há ali,
Uma nuvem soprou um vento que gelou
A minha linda Annabel Lee;
Logo vieram seus nobres parentes
E a levaram para longe de mim,
Para que a terra a calasse e a cobrisse
À beira-mar, neste reino que há ali.

Continuavam os anjos, não contentes no Céu,
A invejar-nos – a ela e a mim.
Sim! Foi essa a razão (como o sabem todos os homens
À beira-mar, neste reino que há ali)
Por que uma noite de uma nuvem veio o vento
Que gelou e matou a Annabel Lee.

Mas do que o amor dos mais velhos que nós era mais forte
O nosso amor, de longe, sim –
E dos mais sábios que nós, sim –
E nem os anjos que do Céu fazem sua corte
Nem os demónios que moram ali
Sob o mar, separar conseguirão minha alma da alma
Da linda Annabel Lee;

Hoje, não vejo um só luar sem com a imagem sonhar
Da linda Annabel Lee;
Não luzem estrelas como antes sem que eu sinta os olhos brilhantes
Da linda Annabel Lee;
E assim, toda a noite deitado, eu fico com ela lado-a-lado
– Ela, a minha noiva querida, o grande amor da minha vida,
À beira-mar, na tumba que há ali –,
E que o rumor do mar descobre ali.

_________________________________________________________________________________


"O Lago"
trad. de The Lake, de Edgar Allan Poe


Era eu jovem, tive a sorte
De fazer de um lago o meu forte –
Lá descansei meu coração,
Tão amena era a solidão
Entre as rochas de negra cor
E um pinhal torreando em redor.

Mas quando a Noite enchia os ares
Desse e de todos os lugares,
E o místico vento se ouvia
Murmurando em melodia –
Forçado era a despertar
P’ro terror do lago sem par.

Porém era um terror sem medo,
Antes seria um tremor ledo –
Um sentimento tal que o meu
Espírito nunca aprendeu –
Nem com Amor – nem mesmo o teu.

A Morte, venenosa, ondeava,
E no esquife aquático aguardava
Por aquele que conforto traria
Àquela paisagem fria –
E cuja alma pudesse fazer
Um Éden do lago ao escurecer.




_________________________________________________________________________________


"O Verme Conquistador"
trad. de The Conqueror Worm, de Edgar Allan Poe



Hoje há teatro e dança!
Anjos, na plateia sentados,
Uma peça de medo e esperança
Irão ver, afogados
Em choro, para a gala com véus
Vestidos, desasados…
E exala a orquestra dos céus
Os sons santificados.

P’ra cá e p’ra lá esvoaçando,
Qual Deus, p’lo palco actores
Murmuram balbuciando.
Por coisas sem formas, sem cores,
São fantoches manipulados
Agitando asas de condores
Que geram, no palco improvisado,
Invisíveis Dores!


Este drama – estejam certos disto –
Não será esquecido, não!
Com o seu Fantasma malquisto
E atrás de quem as hordas vão,
As quais, por um círculo, ao mesmo lado
Sempre regressarão,
Um pouco de Loucura, mais Pecado,
E Horror são a alma do guião.

Algo, p’lo meio do tropel
De actores, rastejante,
Se contorce, com sua pele
Vermelha como sangue.
Contorce-se! E a angelical
Plateia soluça ante
O verme que, com dor mortal,
Come a turba actuante.

Movem-se, na escuridão,
Todas as formas em tremor,
E o pano, como um caixão,
Desce em tempestuoso estertor.
E os anjos, despindo-se à pressa,
Afirmam, faltos de vigor:
"Homem é o nome da trágica peça
E o herói o Verme Conquistador".




_________________________________________________________________________________




“A Cidade no Mar”
trad. de The City in the Sea, de Edgar Allan Poe




A Morte erigiu um trono p’ra si
Numa estranha cidade, ali
Na penumbra ocidental
Onde o mau e o bom e o melhor e o pior que mal
Buscaram descanso eternal.
Carcomidos pelo tempo, sem tremer,
Há lá torres, palácios e altares
Que iguais aos nossos não hão-de ser.
Ao soprar ventos pelos ares,
Sob o céu, resignadamente,
Jazem as águas, tristemente.

Dos Céus não vem raio ou tempestade
Durante a noite da cidade.
Mas vem luz do medonho mar
Que a voz dos torreões vem calar –
E os pináculos iluminar –
Upa cúpulas – upa campanários –
Upa salões – upa sacrários –
Upa babilónicos muros
E quartos esquecidos no escuro.
Upa admiráveis capelinhas
Onde estão, entrelaçadinhas,
Violas, violetas e vinhas.

Sob o céu, resignadamente,
Jazem as águas, tristemente.
Quando as sombras começam a manchar
Os torreões, tudo é suspenso no ar,
E de uma altiva torre citadina,
Espreita a gigante Morte de cima.

Lá, covas de bocas abertas
Bocejam às ondas certas;
Mas não os diamantes que jazem
Nos olhos de cada imagem –
Nem os mortos de jóias ao peito
Tentam as águas do seu leito;
Pois se o mar não é ondeado!
Ao longo do deserto espelhado –
Num mar lá longe, nada nos diz
Que há o vento e que é mais feliz.
Nem que há ventos amenos
Em mares menos serenos.

Mas eis que algo se pressente!
A onda deixou de estar dormente!
Como se as torres tivessem afastado,
Ao afundar-se, o mar entediado –
E os tectos, desabando, gerado
Um vazio no Céu delicado.
Brilha mais vermelha a maré –
Desmaiam as horas, e os minutos até –
E quando a cidade, gemendo,
Sobrenatural, se enterrar,
Mil tronos infernais, em se erguendo,
Reverência lhe irão prestar.


_________________________________________________________________________________


"Escolhendo Quem Me Lê"
trad. de Selecting a Reader, de Ted Kooser


Primeiro, tê-la-ia como sendo linda,
e caminhando cuidadosamente sobre a minha poesia
no momento mais solitário de uma tarde,
o seu cabelo ainda húmido no pescoço
de ter sido lavado. Ela deveria usar
uma gabardina, uma que fosse velha, suja
de não ter dinheiro suficiente para mandar limpá-la.
Ela tirará os seus óculos, e lá
na livraria, passará os dedos
sobre os meus poemas, depois porá o livro de volta
lá em cima na sua prateleira. Ela dirá a si mesma,
"Por esse tipo de quantia, eu posso mandar
limpar a minha gabardina". E assim o fará.

_________________________________________________________________________________


"Voando à Noite"
trad. de Flying at Night, de Ted Kooser

Acima de nós, estrelas. Abaixo de nós, constelações.
À distância de cinco mil milhões de milhas, morre uma galáxia
como um floco de neve que cai dentro de água. Debaixo de nós,
um qualquer agricultor, ao sentir o frio dessa morte distante,
liga a luz do seu pátio, resgatando os seus barracões e o celeiro
para dentro do pequeno sistema que ele mantém.
Toda a noite, as cidades, como estrelas de intenso brilho bruxuleante,
atraem com ruas luminosas as luzes solitárias como a dele.