21 outubro, 2009

Made of...


Sou feito de
Carne,
Pele,
Ossos,
Poros,
Sangue.

Sou feito de
Ideias que devoro
E regurgito
Até estar morto,
Exangue.

A minha língua é
O porto onde me
Ancoro.
E de onde mergulho
Para me achar
No perder-me.

Tudo o que produzo
O meu corpo expulsa,
Nada me fica.

Palavra nova,
Velho verbo,
Sentimento,
Filosofia,
Poesia,
Excremento,
Suspiro,
Orgasmo,
Lamento,
Nada me fica.

Até o meu coração o escrevi aos filisteus.
E nem os meus versos são realmente meus.

Da Teoria Poética

Não tenho, ao contrário de outros muitos, uma teoria literária ou sequer uma poética. Para mim, escrever é um acto semelhante aos actos de comer, beber, cagar: uma necessidade fisiológica. Talvez a minha merda cheire um pouco pior do que a desses muitos outros. Talvez. Mas não deixa de ser merda. A minha e a deles.

20 outubro, 2009

S/título


Dizem que Abel caiu ao pés de Caim,
Qual mártir e fratricida unidos pelo sangue derramado.
E que Caim foi filho da Malvada Serpente que nos tentou a todos.
Tentou e conseguiu…
Mas ele vive na ponta dos esquálidos dedos do Mago
Que sara a pútrida gangrena dos olhos que o observam
– E que o vêem! Sara o Mago
Abrindo feridas com cuspo fechadas, fachadas
Com lágrimas e pus pintadas;
Rasgando as folhas da Árvore Primordial à incestuosa sombra
Da qual Adão e Eva se habituaram a deitar
(Ah, sim, a Humanidade é um animal de hábitos,
Hábitos sob os quais se escondem terríveis segredos,
Como falsos falos pingando salmos e recitando sémen);
Dançando sobre as falhas tectónicas do Paraíso Celestial.
Aos pés de quem cairemos nós? Eu escolho não perecer
Esmagado por titãs de pés de barro. Vem, Mago, lambe
E sara as nossas feridas…

07 outubro, 2009

S/título


Ali jaz um sorriso, construído no perfil
Da sombra dos ciprestes, retalhado sob os escombros
Da Torre que te tomei no tabuleiro alvi-ébano
Que as estrelas alumiaram no interior do teu ventre.
Ali jazo eu, como um joker
Fora do baralho, de sorriso esculpido a pedra e a rugas
E imerso num mar de baton rouge... e a lua outonal,
Branca como cristal, reluz
Na pele da tua barriga e das tuas ancas, que sinuosamente
Me chamam a trilhar o caminho das tuas coxas brancas...
No início da jornada, todas as jogadas poderiam
Ser ponderadas e todos os gestos ensaiados. Mas no final,
O que nos resta para lá do momento?
Jogadores somos e sonhadores nós
Os das palavras vãs e dos utópicos amanhãs...
Mas não é a utopia uma mera actriz num teatro onírico?
Uma tétrica meretriz aprendiz de um orgasmo empírico?

A Eterna Inseparabilidade dos Amantes


Sentada no trono da madrugada
Enrola-se no corpo do seu escravo e amante
Que a aquece
E lhe cheira os cabelos que lembram o nocturno mar…
Sabe-se dona do mundo e das suas eras,
Sabe que nada nem ninguém os poderá separar,
Nunca nesta vida ou na próxima,
Homens ou feras…