11 janeiro, 2013

O Cais dos Sonhos


Esta solidão que me afaga
é como os dedos de uma amante que me penteassem
o cabelo a meio da noite.
Ou o vento frio que me assobia aos ouvidos
com promessas de terras quentes no além-longe.

Sentado na berma da estrada vejo o cais
de onde já partiram todos os meus desejos.
Um dia, serei eu a comprar a passagem
Nos guichets que vendem bilhetes mas também sonhos.

“Bom dia, o que vai desejar?”
“Um bilhete e um sonho, menina”.
“Com certeza. E o destino?”
“Um bilhete para fora daqui e um sonho para dentro de mim”.

É que estes óculos, que uso desde há vários anos,
hoje já só me servem para ler os mesmos livros 
que tenho lido nesses mesmíssimos anos;
quando quero olhar para mim mesmo as lentes desfocam a visão
e tenho que usar a minha mente 
para imaginar-me através dos sonhos.

É que dentro de mim tenho um oceano grande  grande o suficiente
para nele nadarem nuas e livres todas as criaturas do mundo:
do mundo real e do mundo que eu possa imaginar também.
E quando olho para dentro de mim 
quero ver tudo com a clarividência dos peixes.

“Os peixes têm óptima visão, nunca se soube de nenhum que usasse óculos!”
(disse eu e ela riu-se)

A meio da noite o cais está deserto, não há barcos
A partir da minha terra-natal. 
Amanhã será outro dia e outras viagens serão realizadas, 
outros barcos chegarão ao cais e dele
sairão depois que os passageiros subam,
tudo segundo um horário pré-estipulado.

Se eu fosse uma gaivota e pudesse voar até à outra margem
será que compraria um bilhete para o barco?
Sim, provavelmente sim.
“Porquê?”
Porque há qualquer coisa de simbólico
no cais que acena, aos barcos que partem, com os seus dedos de água
que em ondas me afagam os pés a meio do dia.

Há qualquer coisa de mítico no capitão do barco que leva às costas
mil passageiros, somados os quinhentos que subiram ao barco
e as respectivas almas que os acompanham.

Havendo um naufrágio, e supondo que todos os cadáveres fossem
recuperados, dir-se-ia
“os quinhentos passageiros foram resgatados,
já sem vida,
às águas frias da morte”.
Mas nenhum noticiário falaria nos quinhentos passageiros não mortos
mas por nascer que não seriam recuperados.

É que há um passageiro em cada pessoa que embarca na origem mas há dois
na pessoa que desembarca no destino – pois tem a alma prenhe de esperança.

Nisto pensando, imaginei o último barco do dia
desancorando rumo à linha do horizonte.
“E se o barco não desaparecesse abaixo do horizonte mas acima dele?”,
conjecturei.
“E se o barco em vez de seguir navegando pelo mar subisse navegando,
como quem navega por um rio acima, através do céu?

“Amanhã é outro dia”, pensei.
E amanhã novamente aqui estarei.