20 setembro, 2010

Natureza Morta: uma malga de sopas de cavalo cansado


Os cavalos estão cansados, chicoteados que são
Pelas pestanas sonolentas das crianças
E pelos seus lábios ávidos de vida.
Os cavalos estão mortos, triturados que foram
Os seus ossos e a sua carne nos estômagos
Das crianças ávidas de morte.
Os cavalinhos ainda estão por nascer, sussurra-me
Uma pueril orquestra de vozes, em uníssono
Com o roncar maquinal das suas barrigas a dar horas...

15 setembro, 2010

(Resposta)


A Mário Cesariny:

Os poetas são criaturas, é verdade, calcule-se,
gente sensível e às vezes boa
mas tão recomplicada, tão bielo-cosida, tão ininteligível
que já conseguem chorar, com certa hipocrisia,
lágrimas cem por cento sinceras.


Nota: o texto em itálico foi retirado, ipsis verbis, do poema "Louvor e Simplificação de Álvaro de Campo", de Mário Cesariny.

10 setembro, 2010

Allegro appassionato: o cheiro que se lavra entre as minhas coxas


Abre bem as tuas narinas,
de virilha a virilha, de nádega a nádega,
e cheira bem - ou melhor ainda -
o cheiro que se lavra entre as minhas coxas,
de nádega a nádega, de virilha a virilha -
poema escrito por mamilos como dedos
sôfregos e trôpegos
encharcando de suor e de tinta a folha branca.

À noite, todos os gatos são leopardos, escrevi.

Sou ínsulo e em meu redor inunda-me
e ressaca-me só o sensualismo de ti.

06 setembro, 2010

Trompe-l'oeil: a perspectiva do tempo


ao som de pianos
as duas faces de Janus
choram por mil anos
____....por mil cilícios
____.e por outros tantos suplícios

02 setembro, 2010

lava


meu sangue é lava e é com o
meu sangue que ela lava
as suas coxas e os seus pés
os tornozelos e a barriga das pernas
os sovacos os braços e as mãos
é com o meu sangue que ela se queima
e se marca de mim
é com o meu sangue que ela crava
na carne a marca da aliança que nos une
e quando o meu sangue coagular
quando se tornar pedra sólida depois
de ter sido pedra líquida torrente
de lava correndo e queimando os rios
abertos pelo corpo adentro e pela alma
afora quando o meu sangue coagular
dizia eu ela comê-lo-á à dentada
e fará a digestão de mim e parte de mim
será absorvida pelo seu organismo e outra
parte de mim será evacuada e fecundará
a terra como estrume
____________como sémen
_________________como merda
mas uma coisa há que dela nunca será expulsa
o sólido sabor do meu sangue quente
na sua boca é com essa memória que ela
todas as noites ao acordar
e todas as manhãs ao adormecer
lava os dentes