27 novembro, 2012

Ninfa



Canta, mulher fatal e sedutora,
no doce silêncio do teu sorriso
o gentil fado feito do teu riso,
bela ninfa dos homens pescadora.

No teu olhar mergulho: os pulmões,
ávidos, num mar de fogo queimados.
Só mais um de mil barcos esmagados
pela força das ondas das paixões?

De pouco me servem teus braços brancos -
seguro porto firme onde eu me aporte -,
dentro de ti, quero entregar-me à morte
na lângue curvatura dos teus flancos.

20 novembro, 2012

Paisagem: a serra algarvia



E se ao olhar para a linha do horizonte
só visse corações aos montes,
corações em vez de montes,
como se a terra fosse um peito rasgado
oferecendo uma hecatombe de corações
a céu aberto?

E pelas encostas dos montes vejo sangue
escorrendo na forma de labaredas
como pedras catapultadas flamejantes.

E, em algum momento, prevejo
a tua alma reduzida a cinzas, o ventre seco,
a garganta ressequida, os lábios gretados,
os olhos já sem vida...

De nada te valerão as lágrimas se a tua morte
não tiver orgasmos...

19 novembro, 2012

S/título


Quando fechada a vulva, cosida
a linha e a lenha queimada a cicatriz
por onde nascer? Se a boca não se abrir
por onde escaparão os gritos que ouço
ecoando dentro da minha cabeça, no interior
rasgado das minhas veias? Há fantasmas
de pretas partideiras e bruxas nos recantos
das minhas sílabas - é meu o gemido que elas entoam
quando se despem no escuro quente do tálamo.
E a chuva não lava o sangue nem fura as pedras
das lápides num jardim de recém-nascidos - nem
apaga o azedume do leite coalhado
no interior do nosso ventre.

02 novembro, 2012

Paisagem: um poema inútil



O céu cinzento toca, com os seus dedos de chuva, 
notas soltas nos vidros da janela e no telhado de telha algarvia
enquanto, no rádio, Miles & Coltrane preenchem os momentos de pausa
que respiram entre as gotas da água que musicam o silêncio.

Se eu tivesse os olhos abertos veria as paredes brancas da sala
pintadas pela luz amarelada do abat-jour; mas prefiro mantê-los fechados
enquanto dedilho a mesa de madeira de carvalho onde morre 
a ponta negra de uma cigarrilha e onde vive um copo de vinho alentejano,
exalando um bouquet maduro de frutos silvestres e notas de baunilha.

E ao descerrar as pálpebras, saberei que este poema é tão inútil quanto toda a vida.