02 novembro, 2012

Paisagem: um poema inútil



O céu cinzento toca, com os seus dedos de chuva, 
notas soltas nos vidros da janela e no telhado de telha algarvia
enquanto, no rádio, Miles & Coltrane preenchem os momentos de pausa
que respiram entre as gotas da água que musicam o silêncio.

Se eu tivesse os olhos abertos veria as paredes brancas da sala
pintadas pela luz amarelada do abat-jour; mas prefiro mantê-los fechados
enquanto dedilho a mesa de madeira de carvalho onde morre 
a ponta negra de uma cigarrilha e onde vive um copo de vinho alentejano,
exalando um bouquet maduro de frutos silvestres e notas de baunilha.

E ao descerrar as pálpebras, saberei que este poema é tão inútil quanto toda a vida.