31 julho, 2009
Pelagus (XXXI)
Fôssemos filhos de um deus
Omni-
...._._-presente
...._._-sciente
...._._-potente
E seríamos sempre abraçados com a terra
Acachapados à sua vontade paterna.
Engavetado em
Alexandre Homem Dual,
Op. "Pelagus",
Poesia
28 julho, 2009
agora
pelo lento andar do gato vadio na relva fresca
caçando pombos ou pardais certamente
e pela forma como o sol ainda se esconde
por trás dos prédios à minha esquerda
posso deduzir que ainda é relativamente cedo
o gato acordou com fome depois de algumas
horas de sono poucas que a noite foi preenchida
com outras caçadas e agora busca alimento agora
que os pássaros ainda estão encadeados pela luz
matutina
tudo agora deveria ser então claro para mim
é manhã cedo e este é o meu primeiro poema do dia
mas nada é claro nem quando iluminado pela luz
matutina
a folha que deveria ser branca está escurecida
por palavras já escritas e gastas no seu reverso
para além disso o café deixou-me um travo amargo
na boca e o café da manhã das minhas manhãs é sempre doce
devo então deduzir que já não é tão cedo agora quanto
eu gostaria e que na verdade esta é
a minha hora de morrer
agora
amanhã será outro dia veremos se o gato que certamente
voltará para caçar mais pardais ou pombos
me verá aqui outra vez sentado sentindo o vento
soprando por entre as páginas das árvores e as folhas de papel
Engavetado em
Alexandre Homem Dual,
Op. "nova alexandria",
Poesia
26 julho, 2009
demónios
hoje pintei a minha cara de branco e os lábios de
vermelho carmesim sombreei os olhos com rímel preto
e penteei o cabelo para trás usando os dedos
encharcados de tinta do sangue que corre nas
esferográficas deitadas nuas sobre a minha
secretária se eu a tivesse
............................................não é mentira
para pintar e para escrever nada mais uso
que os dedos e a língua e a imaginação
mas é verdade que hoje pintei a cara de branco
e os lábios de vermelho carmesim e que
sombreei os olhos com rímel preto e que
penteei o cabelo para trás depois ou antes
que importa olhei o espelho e vi reflectidos
sobre mim projectados no branco rugoso
da minha cara pantalha os demónios que desde sempre
me perseguem espantalhos de carne e osso mas
sem coração de asas estendidas num lago de baba
e saliva e fluídos seminais e vaginais
depois ou antes que importa limpei a alma
com um cálice de vinho tinto que sobrara
da noite anterior o tempo um dia para ser mais preciso
fizera crescer no líquido um doce aroma a morte e a solidão
limpei a alma
novamente e novamente e novamente e novamente e novamente
e sempre de um modo novo pela primeira vez
até que as rugas sangrassem e até que os meus
demónios adormecessem depois deitei-me a seu lado
e promiscuamente deitei a cabeça sobre o ombro de todos eles
Engavetado em
Alexandre Homem Dual,
Op. "nova alexandria",
Poesia
14 julho, 2009
As Ninfas

Por seis vezes mergulham seis damas
Num lago, às seis matinais horas.
Os lábios e os mamilos, como amoras,
Ruborescem-lhes as caras e as mamas
Brancas, banhadas em leite divino.
Sussurram-me as folhas do arvoredo
Que elas são filhas da Dor, mães do Medo,
Concubinas de um Príncipe malino...
Riem-se as virgens e os que nelas se fiam
Em palavras lânguidas e laivosas
- Tanto quanto as bocas que as pronunciam.
Vive o mito pois o mito é eterno;
Morro eu nos braços de maravilhosas
Ninfas maníacas, pêgas do inferno!
Engavetado em
Alexandre Homem Dual,
Op. "De Sons e Sangue - As Memórias de Elizadeth Rose-Maître",
Poesia
Ode à Música
Música, Maestro:
Cala o silêncio escuro da solitária madrugada que,
Lânguida,
Se aproxima do profundo âmago da Noite
Com a sua lasciva língua bifurcada.
As sombras são sons que se projectam no teatro do tecto
E nas paredes brancas (negro o tecto e estelífero – negro e brilhante
Como um disco de vinil), demónios dançando nas horas vagas, memórias
Como serpentes enroscando-se nas coxas surdas de Beethoven…
Música, Maestro…
Deixa-me cheirar a terra em que te deitaste e em que plantaste
As vinhas da tua sétima sinfonia; espremer-te os cachos rubis como espremesse
Sons para dentro da tua boca e pintar-te os dentes de vermelho – oh sim,
Os teus famélicos caninos também…
Renunciemos a todas as máscaras que as vozes da vergonha
Nos escondem sobre o rosto – um sorriso suspirado no silêncio da noite
E cônsono com o teu orgasmo (allegro ma non molto) não seria mais precioso
Que mil brindes à paz entre os homens?
Música, Maestro!
Traz-me guerra e clarões de bombas a rebentar, se esse é o teu desejo!
Traz-me o estertor dos moribundos e das civilizações do passado
– E das do futuro!
Traz-me a voz silente dos poetas e os gemidos bastardos das virgens que se sentam
Sobre o falo erecto do seu Deus!
Traz-me o sossegado som dos riachos pueris e a fúria incestuosa de Neptuno
Abocanhando as lácteas tetas de Tétis Prostiputa, bebendo-a de um trago só!
Traz-me o choro do mundo a acabar, o ribombar dos canhões e dos filhos
Da guerra que perecem como mastros quebrados no pélago da nossa apatia!
Traz-me o som do petróleo correndo-nos livre pelas veias…
Ou simplesmente ensina-me a dizer “Amo-te” sem palavras…
E as estrelas liquescentes dissolvem-se lentamente
A caminho do chão viajando pelas paredes e pelo
Espaço esvaziado de vazio, o espaço prenhe de música…
Pouco a pouco, todas as estrelas se reúnem num grande sol,
Um sol vermelho, uma poça gigantesca formada a meus pés,
Primeiro tocando-me os calcanhares, depois
Os dedos, agora já os tornozelos…
(Uma sensação de frialdade tépida quebra-me
As tibias, palitos que me mantêm as pálpebras abertas…)
(E os olhos fecham-se…)
Traz-me, Maestro, o som das minhas suadas coxas entrelaçadas nas coxas surdas de Beethoven,
Uma nota acima do sangue e do sémen e da música (que num líquido e orquestrado beijo
Trocam espuma e saliva) que me dão já pelos joelhos…
E de tanto rodar o vinílico círculo, a agulha rompe o hímen do tempo e trespassa
O coração de Beethoven.
Eis que finalmente o seu ouvinte e amante percorre as notas do silêncio e,
Olhando para o chão, grita:
Música, Maelström!
Engavetado em
Alexandre Homem Dual,
Op. "Amanhã Chovi",
Poesia
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