embalar-nos-á a morte um dia
quando o grande relógio cessar de rodar os ponteiros
dizendo-nos a sua inércia que é a hora
de partir chegada
confortar-nos-á a morte um dia
quando oferecer o toque de um mamilo frio aos nossos lábios
que abocanharão seios murchos e vazios
de onde derramada toda a vida
beijar-nos-á a morte um dia
quando lhe sorrirmos em boas-vindas e abrindo o peito
como quem abre portas há muito fechadas
a convidarmos a entrar
abraçar-nos-á a morte um dia
entretanto beijemo-nos nós
confortemo-nos e embalemo-nos nós
enquanto abraçamos a vida
meu amor
20 agosto, 2014
12 agosto, 2014
S/título
apaguem-se todas as lanternas:
no meio de palacetes de pedra crua
e de jardins de carne nua
entre os homens
uma flor perde o perfume
pétala a pétala
para a solidão
no meio de palacetes de pedra crua
e de jardins de carne nua
entre os homens
uma flor perde o perfume
pétala a pétala
para a solidão
Engavetado em
Alexandre Homem Dual
08 agosto, 2014
Paisagem: vento de verão
Uma voz áspera sussurra aos ouvidos do poeta, quebrando assim o silêncio absoluto do final da tarde, estilhaçando-o em pequenos pedaços como um vaso de vidro colorido que lhe escapasse das mãos tenras. A voz continua a falar, à medida que os braços da noite apertam o seu cerco, ainda que já não seja ouvida. Na verdade, nunca o foi - não seria um trovão e sim um relâmpago a acordar o poeta do estado letárgico, catatónico, em que se encontrava mergulhado. Um relâmpago de imagens, uma luz de versos, uma voz incandescente de ritmos - uma pulsão frenética e inebriante que encharca a boca e as tripas de uma poção xamânica, como os ventos do deserto, que leva o sujeito, adâmico, a escrever o que não sente, a dançar com as labaredas de uma fogueira que não arde senão no papel, a copular com a serpente depois que uma miríade de miríades de evas largaram as suas peles e devoraram não só a maçã mas toda a macieira. Na areia da praia, molhada das ondas de água salgada e fria e dos jorros de sémen acre e quente, ficarão gravadas, enquanto a maré não subir outra vez, as letras dos versos escritos e os ziguezagues licenciosos da cobra e do homem. Porque antes de serem poetas - nascidos para buscar a imortalidade -, os poetas nascem homens e mulheres - para que, de mãos dadas, o amor e a morte nos encontrem.
Engavetado em
Alexandre Homem Dual
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