02 janeiro, 2012
Paisagem: um céu nocturno despido de estrelas e mil lâmpadas acesas na linha do horizonte
Ao morrer da tarde, o vento traz
o cheiro da tempestade que abraça
o aroma das roseiras: a chuva miudinha
lava a terra e a luz da lua e das estrelas
ilumina as nuvens por dentro: lá
onde o olho humano não alcança.
Colho uma rosa - desfloro-a. Pétala a pétala
engulo a espessura do silêncio que precede
a madrugada.
Ao longe vejo os montes iluminados por mil
lâmpadas acesas como estrelas em casas espalhadas
pelo horizonte mas que não se vêem nos mapas: podes tocar
países inteiros com a ponta dos dedos mas nunca
hás-de fazer cócegas às pessoas que neles habitam.
O céu está negro de nuvens e expectativa de relâmpagos
e despido de estrelas - escondidas para lá
de três mil metros de procela - e eu já não sei
se distingo onde é o céu: se lá
no alto onde a luz da lua não atravessa o corpo das nuvens
se ali em baixo onde as estrelas cintilam nos montes.
Abro os braços como quem abre asas -
grito como quem liga um motor -
inspiro a noite de um trago só como quem liga uma hélice
e sente o vento beijar os objectos nus e claros -
e voo - voo por dentro da noite e de mim mesmo,
ignaro de onde parto e para onde vou.
Engavetado em
Alexandre Homem Dual,
Op. "Insanabile Cacoethes Scribendi",
Poesia
"O que faço?/
Sou músico./
O que toco?/
Poesia."