20 novembro, 2008

De Branco Pintadas


De branco pintadas as paredes são
Monotonamente.
Mente monótona esta minha mente.

O relógio devora as horas
Que passam quadradas pelo futuro
E branco ladro e mio
E vida e morte invadem
O meu pensamento catarino.

De branco pintadas as paredes estão
Irreflectindo dos meus olhos a cor
Que negros monotonamente o são.

E há uma catedral sem cúpula sobre a sua nave
Pintada na retina do meu olhar
E há um sol de meio-dia que transluz
O som metálico do tempo parado.

E quando o ponteiro grande está no quarto
Mil virgens emergem da minha pele e nela copulam.
E quando o ponteiro grande está nos dois quartos
Eu toco o cheiro da tinta.
E quando o ponteiro grande está nos três quartos
Ouço leite de amêndoas escorrendo pelas paredes.
E quando o ponteiro grande procura o norte eu grito:
Mutunus Tutunus!
Mutunus Tutunus!
Todas as virgens sentem-se sobre o falo erecto do deus!
Falo de pedra.
De que falo eu?

De branco pintadas as paredes são
Monotonamente.
Sente-se monótona esta minha mente.

E um corvo negro de flamejantes asas
Forma-se dos olhos nocturnos que preenchem
As minhas órbitas em chama.
E voa em redor do meu corpo cego
Saltando livremente de osso em osso
Debicando a alma poluta que prostrada
Envelhece a minha cama.
Mas quando a tinta das suas penas seca
O grande pássaro não consegue levantar voo
E pálido morre fitando o perfil vazio da página branca.

Sussurro-lhe:
Lázarus, Lázarus, Lázarus.
Mas o papel não responde
Ainda que me olhe do outro lado de mim.

E o silêncio é corrido como uma persiana
Hibernando as retinas queimadas na garganta do tempo,
Ritmos outros que não sei reproduzir.

E cada linha é uma liberdade por libertar,
Cada palavra um país por fundar,
Cada som o choro primeiro dos Universos
– O que me cerca e o outro,
O que eu limito, reflexo diverso
Do Eu, fronteira última de um jogo de espelhos
Em que os olhos já não reconhecem o rosto
E onde os dedos são personalidades distintas
Ecoando: quem são eu?...são eu?...eu?

De branco pintadas as paredes são
Monotonamente.
Gente monótona esta minha mente.