14 julho, 2009

Ode à Música


Música, Maestro:

Cala o silêncio escuro da solitária madrugada que,
Lânguida,
Se aproxima do profundo âmago da Noite
Com a sua lasciva língua bifurcada.
As sombras são sons que se projectam no teatro do tecto
E nas paredes brancas (negro o tecto e estelífero – negro e brilhante
Como um disco de vinil), demónios dançando nas horas vagas, memórias
Como serpentes enroscando-se nas coxas surdas de Beethoven…

Música, Maestro…
Deixa-me cheirar a terra em que te deitaste e em que plantaste
As vinhas da tua sétima sinfonia; espremer-te os cachos rubis como espremesse
Sons para dentro da tua boca e pintar-te os dentes de vermelho – oh sim,
Os teus famélicos caninos também…

Renunciemos a todas as máscaras que as vozes da vergonha
Nos escondem sobre o rosto – um sorriso suspirado no silêncio da noite
E cônsono com o teu orgasmo (allegro ma non molto) não seria mais precioso
Que mil brindes à paz entre os homens?

Música, Maestro!
Traz-me guerra e clarões de bombas a rebentar, se esse é o teu desejo!
Traz-me o estertor dos moribundos e das civilizações do passado
– E das do futuro!
Traz-me a voz silente dos poetas e os gemidos bastardos das virgens que se sentam
Sobre o falo erecto do seu Deus!
Traz-me o sossegado som dos riachos pueris e a fúria incestuosa de Neptuno
Abocanhando as lácteas tetas de Tétis Prostiputa, bebendo-a de um trago só!
Traz-me o choro do mundo a acabar, o ribombar dos canhões e dos filhos
Da guerra que perecem como mastros quebrados no pélago da nossa apatia!
Traz-me o som do petróleo correndo-nos livre pelas veias…

Ou simplesmente ensina-me a dizer “Amo-te” sem palavras…

E as estrelas liquescentes dissolvem-se lentamente
A caminho do chão viajando pelas paredes e pelo
Espaço esvaziado de vazio, o espaço prenhe de música…
Pouco a pouco, todas as estrelas se reúnem num grande sol,
Um sol vermelho, uma poça gigantesca formada a meus pés,
Primeiro tocando-me os calcanhares, depois
Os dedos, agora já os tornozelos…

(Uma sensação de frialdade tépida quebra-me
As tibias, palitos que me mantêm as pálpebras abertas…)

(E os olhos fecham-se…)

Traz-me, Maestro, o som das minhas suadas coxas entrelaçadas nas coxas surdas de Beethoven,
Uma nota acima do sangue e do sémen e da música (que num líquido e orquestrado beijo
Trocam espuma e saliva) que me dão já pelos joelhos…
E de tanto rodar o vinílico círculo, a agulha rompe o hímen do tempo e trespassa
O coração de Beethoven.
Eis que finalmente o seu ouvinte e amante percorre as notas do silêncio e,
Olhando para o chão, grita:

Música, Maelström!