12 abril, 2009

"fado..."


Amália nascera muda; Alfredo, surdo, somente aprendera a articular uns grunhidos, pelo que a linguagem corporal lhes bastava. Os dias passavam sem que houvesse necessidade do uso de palavras. Mas quando o sol se punha, Amália despia-se e, nua, ficava em frente da janela aberta, deixando o bafejo lisboeta beijar-lhe a pele e despertar-lhe a voz dos sentidos, enquanto a noite lhe cobria os ombros com um xaile negro. Alfredo, ouvindo o chamamento das estrelas que assomavam, erectas, nos seios de Amália, despia-se também e deitava-se na cama, à espera da amada. Lentamente largando o xaile, ela deslocava-se, arrastada, lânguida, para cima do corpo do amante. E a cada movimento licencioso de Amália, Alfredo gemia, como uma guitarra, sentindo enterrar-se cada vez mais no refrão do fado que ela, em silêncio, cantava.