20 abril, 2010

Tríptico Sangue Tipo O negativo

Beijos Sanguinolentos


Há não muito tempo mas assaz distante:

Num invernal dia chuvoso e trovejante,

Tanta dor havia que dentro dela estava contida…

Tanta dor que não podia ser escondida.

Mas a pobre nem por socorro gritou –

E, silente assassina, a si própria matou.

Ciente da impossibilidade da redenção, tanto da Vida como do Amor,

A ambos arrastou para a cova, no seu último estertor.


Foi desfeito o par de almas suas (há uma só agora onde antes havia duas),

Dividido por este muro de morte inclemente –

Mas, querida, ele juntar-se -á a ti, brevemente…

Trilhando os caminhos do seu sangue o teu amor ele há-de encontrar,

Assim como tu encontraste a força para com a miserável vida acabar.

E tal como tu o fizeste, assim haverá ele de se matar.


Para o sono eterno ele é embalado num cálido e fundo poço avermelhado

Enquanto a sua mão na tua se enterra – e ouve, querida, o que ele, corajoso, te grita:

“Leva-me desta terra e marca, com o fim desta noite – desta noite –, o fim da vida.

Quero sentir os lábios que, sombrios, governam o Reino do Obscurecimento –

E saborear o teu beijo sanguinolento-lento-lento-lentamente…

…morrendo.”




Preto nº 1


Ela gosta de ficar sozinha,

No escuro, deitada,

Onde por si mesma se apaixonou

E a si própria se satisfaz,

Enquanto tenta, em vão, morder,

O pescoço de cor branca aleitada

Onde tem gravada a Marca de Satanás…


É uma Eva vazia de coordenadas celestiais,

Prenhe de sombras incandescentes, que

Durante o plenilúnio de Outubro, nos dará um

– Um só! – dócil beijo ou

Seiscentas e sessenta e seis travessuras dolentes?


Uma coisa é certa:

Ela

Falo

Ah…


Todos os dias se encontra com Nosferatu à meia-noite

E o Príncipe das Trevas sabe (é um facto)

Que ela o castigará com um beijo numa

Face e numa nádega com um açoite…


E ela ri-se e ri-se e ri-se quando lhe chamo mazinha…

Ri-se com aquele seu risinho de bruxinha…


Mas ela quer de si própria sair

Porque o vento na cara lhe chuvisca

Mas dela ela não se pode despir

Porque a si mesma está enraizada

E as raízes estão à vista…


Disfarça-as, corta-as, arranca-as e queima-as

Ou perfuma-as de Preto Nº 1…


Traja nada mais que umas botinas de pele de chacal

E colada ao corpo uma justa gabardine

– E um cigarro (cheira a cravo-da-índia) por acender na boca…

Lá vai despida para um funeral

Porno-erótico, nos seus trejeitos de louca,

Desejando-nos um Feliz Halloween.

O perfume dela tem o odor de outonais folhas caídas e queimadas

(Já acendeu o cigarro e já o bafora);

Lá vai o lindo e maravilhoso monstro e não há quem a abomine…

Para ela, todos os dias são Halloween…


Enterrarmo-nos naquela criatura

É como desenterrar um cadáver de uma sepultura

Funda, fria e escura…




Mulher Cristã


Perdoai-a, Pai,

Pois ela não sabe

O que faz…


Uma cruz mal pendurada, prestes a cair,

Na parede de cabeceira do seu quarto

Prenuncia a queda que da graça ela dará.

Enquanto uma efígie lhe arde na mente

E escorre, lava liquescente,

Por entre as coxas…

E ela questiona à figura do homem santo na cruz pregado,

O homem que se prestou a beber o vinho e a comer o pão

E a digerir toda as dores do homem seu irmão

E a defecar a Salvação (um cagalhão do tamanho do mundo),

Homem santo supra-sumo da sordidez,

Quase nu, ensanguentado, pornograficamente violentado,

Um exânime Deus, já moribundo:

“Quanto (te) virás Tu outra vez?”


E eu te respondo, mulher:


“Perante o teu Mestre, deverás implorar para O servir ou para O agradar

A ele, O do corpo marcado de ferimentos, em vivo sangue,

Ainda vermelhos,

Seja subjugada de costas no chão, seja no chão curvada

De joelhos…


Os teus pecados vão para além de qualquer absolvição

Mas talvez tu mesma prefiras a Punição?...


Acreditarás tu o suficiente para te sacrificares ao sofrimento

Eternamente – na fé, na alma, na mente?

Acreditarás tu o suficiente para te sacrificares ao sofrimento

Internamente – nos ossos, no sangue, no ventre?”


Arderá no inferno a sua alma sibarita:

Primeiro cozida ao de leve, depois bem frita…

E durante a missa, ela toca-se com uma mão

(A outra no pescoço agarra uma cruz)

Escrevendo no clítoris, com o dedo indicador

As letras que formam o nome do seu salvador:

J-E-S-U-S


Ela precisa sentir ressoar o evangelho de Jesus

Cristo profundamente dentro dela.


Jesus Cristo, eutícomo, é como eu:

Cabelo comprido e barba por fazer…

Jesus Cristo, anárquico, é ateu:

Versos despidos e uma religião por foder…




* Pequena brincadeira relativa ao IV Desafio do DRACULEA Café Poesia - uma forma de homenagem a Peter Steele, defunto vocalista de Type O'Negative, cujas letras das músicas "Bloody kisses", "Black nº 1" e "Christian Woman" me inspiraram para a respectiva tradução e subsequente composição deste tríptico.