A ti que me lês
Não entrego o meu corpo em pão
Mas em versos
Nem entrego o meu sangue em vinho
Mas na tinta com que escrevo os meus versos.
Não me busques nem me procures nem me demandes,
Quando muito questiona, se te é mesmo necessário,
O que o teu coração decifra da minha caligrafia.
É que eu sou universal, sabes,
Um alterónimo de mim mesmo
Cantando a individualidade do cada um que há em mim.
E às vezes esqueço o indivi-
E canto apenas a -dualidade.
Sou como a terra e sou como o mar que,
Quando se tocam, perfazem o horizonte,
E o horizonte não existe, sei-o bem,
Pelo menos não mais (mas também não menos) do que eu.
A terra é só uma mas divide-se em várias,
Em países, em continentes,
Em gentes - e essas gentes em outras gentes.
E o oceano que é também só um
Divide-se em mares
E mesmo esses dividem-se em muitos rios
Que nos mares vão desaguar.
E os rios repetem-se ao longo dos séculos
Tal como eu me repito muitas vezes
E a água que neles corre nunca é a mesma
Mas é sempre a mesma, compreendes?
E contradigo-me, sim, contradigo-me, se calhar ainda mais vezes
Do que me repito ou do que minto - a natureza também nos
__________________[mente, porque não mentiria eu? -
Mas não será a contradição o mais belo predicado da
_____________________________[condição humana?
E a chuva quando cai
Não o faz multiplicada por uma quantidade de gotas que,
Ilusoriamente,
Se assemelham ao infinito?
Ainda assim, a chuva nunca deixa de ser a chuva,
Hoje como ontem,
Amanhã como sempre.
E o universo
Possivelmente um dia
Chamar-se-á multiverso!
Não procures unidade ou coerência nos meus olhos...
Se eu próprio sou plural e incoerente
Como poderia ser coerente e una
A visão que tenho do mundo que me cerca
E do mundo que eu cerco
Dentro das minhas fronteiras?